Ordeno-te que nunca me obedeças!
Chega aqui ao pé de mim, tenho uma coisa pra te dizer. Senta-te aqui. Dizem que hoje está frio, mas estou com um calor do caraças. Isto não é normal, devo estar com febre. Velho? Achas que estou velho? Tás mas é doido, puto! A mania que esta malta nova tem de achar que o melhor do mundo é ser jovem... Já no meu tempo era assim. Ingénuos.
Sabes puto, eu já não acredito na juventude. Nem nos adultos, para ser sincero. É tudo um grande rebanho de paus-mandados. Porquê? Tens quase dezoito anos e ainda tenho de te explicar porquê? És um pau-mandado, um doce cordeirinho, porque há pessoas que mandam em ti, fazem de ti o que querem e tu deixas. Decidiram a tua vida mesmo antes de tu nasceres, moldaram-te a personalidade. Periodicamente, dão-te a ilusão de controlares o teu futuro, mas é só a fingir. Um torrãozinho de açúcar de quando em vez e o serviço está feito. Domesticaram-te. Sabes, o ser humano deve ser selvagem. Eu não acredito na juventude, pelo menos nesta. Sim, meu querido, admito: fui eu que te fiz assim. Acho que não tive forças para fazer melhor. Fez-me falta a tua mãe... ainda faz. Ela sim, era uma mulher determinada, fazia-me acreditar que podíamos mudar o mundo. E podíamos!
Quando eu me apaixonei por ela, era mais novo que tu, ela era linda, tinha uns cabelos negros que enfim, nem sei descrever, não sou poeta. Ela já simpatizava comigo e achou piada ao meu embaraço quando a via. Pois resolveu ajudar-me! Ela era assim, gostava de ajudar os outros, gostava de toda a gente. Aprendi isso com ela: dar o benefício da dúvida, partir sempre do princípio que as pessoas não nos querem mal, que são boas. Levou alguns pontapés, mas foram poucos, infelizmente. Não teve tempo para mais. E então ela ajudou-me. Um belo dia viu-me sozinho no jardim, aproximou-se, eu quase fugi quando vi o olhar dela! Sentou-se ao meu lado, olhou o céu a sorrir, perguntou-me se na minha terra o sol era assim tão quente e eu acalmei um pouco. Não teria tempo, mesmo que quisesse, de responder. Ergueu o braço direito, pôs a mão no meu ombro esquerdo (devo ter aqui algum botão de "start"), olhámo-nos quase sem atmosfera pelo meio e... meu caro, foi tão único, tão suave, tão perfeito, que tive a ilusão de ter sido eu a seduzi-la.
Não, não, não! Não quero saber nada das tuas namoradas, puto! Eu já não aprendo nada com isso, guarda essas novelas para os teus filhos. Se te deixarem ter filhos. Mas por que raio te sentaste no chão, quando tens aqui uma cadeira? Senta-te aqui. Ao meu lado há sempre uma cadeira vazia, meu filho. Ou por outra, deixa lá. No fundo, sujar as calças é o que te resta de irreverência. Deixa lá, não te vou tirar isso. ... Sabes, se eu tivesse a tua idade e o meu velhote me dissesse que não se importava que eu continuasse a emporcalhar as calças, eu levantava-me logo do chão. Fiz-lhes a vida negra, aos meus velhos. E eles não foram lúcidos o suficiente para me agradecerem, não aprenderam nada! Ri-te, ri-te... gosto de te ver feliz. Agora velho, a chamar-me velho, o pirralho...
Velhos são os previsíveis, aqueles cujo presente mais não é que a repetição do passado, aqueles a quem as previsões dos astrólogos servem que nem uma luva. Eu nunca fui assim. Posso ter muitos defeitos, e tenho, mas tento ser original. Ter futuro. O quê? Tens razão, poucas pessoas estão preparadas para aturar um tipo como eu. Somos educados para ambicionar segurança e desprezar a aventura. Riscos sempre calculados. Até que a morte nos separe. Tu também pensas assim, não é? Mas isso não quer dizer que eu esteja enganado...
Está na hora, não é? Eu não sei, não tenho relógio, sempre evitei habituar-me demasiado a esse monstro. Só falei porque te vejo impaciente. Ela vem aí, não é? Bem me parecia. Nem penses pá, não quero conhecê-la! Apresentas-ma só depois de fazeres amor com ela. Oh diabo, não é preciso corares! Nem vou querer que me contes nada. Aliás, essas coisas fazem-se notar sem serem ditas...
Espera, antes de ires, quase me esquecia do que te queria dizer. É só um segundo. Vou-me levantar que isto é importante. De velho para jovem, de pai para filho, de homem para homem (será que também tens um botão no ombro esquerdo?). Olha-me nos olhos e ouve bem...